Para realizar um desbridamento perfeito é necessário, antes de tudo, treinamento e conhecimento sobre as técnicas, procedimentos, orientações e encaminhamentos que se fizerem necessários. Além disso, o profissional deve conhecer as medicações e os instrumentos que podem ser utilizados em cada caso.
O desbridamento é uma técnica muito utilizada na área da saúde para remover tecidos desvitalizados ou inviáveis presentes no leito (base/fundo) de uma ferida.
O desbridamento pode ser utilizando quando na lesão houverem tecidos desvitalizados (que estão “mortos”), eles são:
- Tecido necrótico (é de cor enegrecida, de consistência mais dura)
- Esfacelo (de cor amarelo acinzentado, de consistência mole)
Em nosso guia prático sobre cuidados com lesão por pressão, você já aprendeu a identificar os tecidos que podem estar presentes no leito da ferida!
A partir dessa identificação, caberá a você realizar ou não o desbridamento na ferida. No entanto, para tomar essa decisão, é necessário levar em consideração alguns pontos:
- A quantidade de tecido desvitalizado é muito grande? Está impedindo a correta cicatrização e o fechamento da ferida?
- Existe mais tecido necrótico ou esfacelo na lesão? (para cada tipo de tecido aplicaremos uma técnica de desbridamento específica)
- O paciente relata muita dor na manipulação da lesão?
Embora a técnica de desbridamento ser bastante utilizada em lesões por pressão em grau III, grau IV e em lesões não classificáveis, ela pode ser utilizada em qualquer ferida em que haja presença de tecidos desvitalizados.
O que é? Pra que serve?
Em termos técnicos, o desbridamento significa:
Ou de modo mais resumido:
“Realizar a retirada de tecido desvitalizado ou de corpo estranho de uma ferida”
Essa “retirada” de tecido pode ser realizada de diversos modos, que veremos logo adiante.
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Basicamente, o desbridamento serve para auxiliar no tratamento da lesão do paciente. Não se esqueça que a presença de tecido necrótico, esfacelo ou corpo estranho na lesão representa um alto risco de infecção e inflamação, que podem retardar o tratamento.
Quais os Tipos?
Existem ao todo, seis (6) tipos de desbridamento, eles são:
- Autolítico.
- Químico ou também chamado de Enzimático.
- Mecânico.
- Instrumental ou Escarificação.
- Cirúrgico.
Vamos conhecer cada um dos tipos de desbridamento:
Desbridamento Autolítico
Antes de entrarmos na definição desse tipo de desbridamento, vamos decifrar primeirameite o que significa “Autolítico”:
Auto: Relacionado ao próprio organismo.
Lítico: provém de lise, que significa “quebra” ou destruição.
Agora a definição desse tipo de desbridamento ficou muito mais fácil, não?
Trata-se de utilizar o mecanismo de defesa do próprio paciente, para promover a destruição de tecidos desvitalizados no leito da ferida/lesão.
Como assim?
O corpo humano procura a todo instante, combater vírus e bactérias que possam entrar no sistema e causar infecções. Esse processo, guiado pelo sistema imunológico, também ocorre no leito da lesão.
Assim, macrófagos buscam a todo tempo englobar invasores e destruí-los.
Todo esse processo, ocorre de forma natural, e por isso costuma durar de semanas a meses para surtir alguma mudança.
Lembre-se que esse tipo de desbridamento pode ser utilizado em feridas pequenas, com pouco ou nenhum exsudato (líquido que extravasa para fora da lesão).
Evite, portanto, utilizar esse tipo de desbridamento com lesões profundas, cavitárias e com muito tecido necrótico, uma vez que esses tipos de feridas demandam tratamentos mais agressivos.
Como Realizar o Procedimento?
Como esse tipo de desbridamento ocorre naturalmente na lesão, podemos utilizar algumas técnicas de curativo para manter a lesão o mais saudável possível.
Você poderá utilizar curativos comuns com compressas de gaze estéril ou coberturas de tecido do tipo rayon não aderentes. Realize também a hidratação do leito da lesão com soro fisiológico a 0,9% aquecido na temperatura do corpo do paciente (geralmente em 36ºC graus) em jatos.
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Observação: Ao fazer o curativo do paciente com apenas curativo e soro fisiológico você já estará realizando um desbridamento autolítico no paciente!
Outros curativos que promovem esse tipo de desbridamento: hidrogel em creme, filmes transparentes, alginato de cálcio e placas de hidrocolóide.
Desbridamento Enzimático/Químico
Para realizar esse tipo de desbridamento, precisaremos utilizar algumas medicações que promoverão a “quebra” de enzimas no interior da lesão.
O desbridamento enzimático é definido como:
Utilização de enzimas para destruir as fibras de colágeno do tecido desvitalizado, promovendo sua redução e posterior remoção
A diferença entre o autolítico e enzimático é no tempo de efeito. No autolítico, o processo é natural e bastante demorado, no enzimático o processo é mais rápido. Geralmente, em poucas semanas já se observa uma boa recuperação da lesão.
Para utilizarmos as enzimas medicamentosas, precisaremos antes observar alguns cuidados de enfermagem:
Esse tipo de desbridamento não pode ser utilizado em feridas muito extensas ou profundas ou com muito exsudato.
As enzimas devem estar em contato apenas com o tecido desvitalizado! Nunca coloque a pomada sobre a pele íntegra ou sobre a borda da ferida, pois isso pode retardar a cicatrização.
Como Realizar o Procedimento?
Inicialmente, defina a medicação que será utilizada. Elas podem ser: colagenase, bromalina ou papaína, neste último observe a concentração.
Aplique uma camada fina, de 0,2 mm a 0,5 mm de espessura ao longo de todo o tecido desvitalizado.
O processo de desbridamento enzimático não surte efeito imediato. Aplique e reaplique a medicação conforme as indicações da bula da medicação (geralmente a cada 24 horas).
Observe atentamente a evolução da lesão. Ela deverá reduzir ao longo dos dias, a quantidade de tecido desvitalizado. Caso não haja efeito, substitua a medicação que você está aplicando por outra. Evite fazer misturas de medicamentos diversos, pois isso pode atrapalhar ou até mesmo cortar totalmente o efeito da substância.
Desbridamento Mecânico
Esse tipo de desbridamento é bastante utilizado para retirar corpos estranhos ou fragmentos de tecidos desvitalizados no leito da lesão. Sua definição é:
Utilização de força física para remoção de tecidos ou corpos estranhos por meio da fricção.
Nesse procedimento, o profissional de enfermagem pode utilizar gazes estéreis ou pedaços de tecido rayon não aderente para remover mecanicamente os tecidos desvitalizados ou sujidades.
Esse tipo de desbridamento é utilizado apenas quando o corpo estranho esta na superfície da lesão, bem como pode ser utilizado quando há fragmentos de tecidos necróticos ou esfacelos soltos no leito da ferida.
Ao realizar esse tipo de procedimento, atente-se para o nível de dor do paciente, uma vez que ele pode gerar certo incômodo, principalmente em lesões profundas.
Como Realizar o Procedimento?
Equipe-se de luva e gaze estéril. Você poderá embebedar a gaze com soro fisiológico para diminuir o atrito ou fricção no leito da lesão.
Realize movimentos lentos e cuidadosos, a fim de evitar lesionar as bordas da ferida. Faça movimentos únicos, descarte as gazes após cada movimento.
Caso haja fragmentos de tecidos que não saem, providencie outro tipo de desbridamento, uma vez que não é necessário forçar a saída desse tipo para evitar lesionar a ferida.
Desbridamento Instrumental ou Escarificação
Esse tipo de técnica compreende a utilização de instrumentos perfuro cortantes para remoção de tecido desvitalizado, ou também pode ser utilizada para permitir maior contato de medicamentos com o leito da lesão.
Esse procedimento também é chamado por alguns como desbridamento instrumental conservador. A definição é:
Utilização de instrumentos cirúrgicos para remoção, a beira do leito, de tecido de origem necrótica do leito da lesão.
Geralmente, podem ser utilizados o bisturi, tesoura de íris e pinças anatômicas ou “dente de rato” para realizar o procedimento.
Esse método, geralmente é mais rápido e efetivo que os citados anteriormente. No entanto, pode apresentar complicações. Seu emprego deve ocorrer quando:
- A lesão apresenta muita quantidade de esfacelo ou tecido necrótico espesso.
- As técnicas anteriores foram mal-sucedidas ou não surtiram o efeito desejado.
- A lesão não é muito extensa.
- Quando o profissional domina a técnica e conhece os riscos do procedimento.
Como Realizar o Procedimento?
O desbridamento instrumental pode ser realizado de duas formas possíveis:
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Técnica cover: é a técnica mais tradicional. O profissional irá utilizar a lâmina de bisturi para remover a placa de tecido necrótico, com muito cuidado para evitar sangramentos ao longo da lesão.
Técnica Square: também chamada de escarificação, consiste em realizar pequenos cortes no tecido necrótico, que variam de 2 mm a 0,5 mm, no formato de pequenos quadrados. Essa técnica é utilizada com duas finalidades distintas: remover as pequenas placas de tecido inviável ou permitir acesso às camadas inferiores do tecido. Nesse último caso, você poderá aplicar desbridamento enzimático para auxiliar no tratamento.
Lembre-se: esse procedimento exige técnica estéril no manuseio de equipamentos e de tecidos humanos.
Realize o procedimento em ambiente calmo e com boa iluminação, mantenha o paciente ou familiares bem informados sobre riscos e benefícios da técnica e esteja preparado para reagir rapidamente a possíveis complicações.
As complicações podem ser:
O paciente pode referir dor no local. Sabemos que o tecido necrótico é avascular e desprovido de sensibilidade. No entanto, se o paciente relatar dor, interrompa o procedimento e analise a possibilidade de realizar outro tipo de desbridamento.
Pode haver sangramento. O sangramento estará relacionado ao leito ou bordas da lesão. Aplique compressão com gaze estéril, suspenda o procedimento momentaneamente até estancar o sangramento.
Pode haver exposição de tendão, ossos ou músculos. Nesse caso, discuta com a equipe da sua unidade os próximos passos e interrompa o procedimento. A depender da gravidade, podem ser necessários procedimentos cirúrgicos, como enxertos.
Aumento do nível de estresse do paciente. Oriente o paciente adequadamente. Lembre-se que o procedimento não pode demorar mais que trinta minutos. Avalie a necessidade de interromper o procedimento.
Para casos clínicos mais graves, encaminhar o paciente para o desbridamento cirúrgico.
Quem Pode Realizar Esse Procedimento?
O enfermeiro pode realizar o procedimento. No entanto, recomenda-se:
- Competência técnica e domínio do assunto para tal.
- Vasto conhecimento da anatomia local.
- Que a unidade de saúde desenvolva protocolos para subsidiar a realização desse procedimento.
Existe respaldo legal para o enfermeiro realizar tal procedimento. Os Conselhos Regionais de Enfermagem de alguns estados e inclusive o Conselho Federal de Enfermagem já emitiram nota técnica que respaldam o profissional.
Desbridamento Cirúrgico
Em casos mais complexos, quando a extensão da lesão é grande ou quando o risco de infecção é alto, recomenda-se a realização do desbridamento cirúrgico.
Remoção de tecido desvitalizado em centro cirúrgico, com paciente sob anestesia local, epidural ou geral, por médico cirurgião.
A grande quantidade de tecido necrótico e a profundidade ou extensão do seu tamanho podem necessitar de um desbridamento mais preciso e rápido.
Esse procedimento também é indicado para a realização de enxertos. Muitas vezes a lesão é muito extensa e profunda, o que requer tratamentos no sentido de inserir novos tecidos no local, a fim de evitar deformidades ou perda total de função no local, o que acarretaria prejuízos psicológicos graves ao paciente.
Lembre-se que tecidos inviáveis (necrose e esfacelo) sempre irão representar alto risco de infecção para o paciente.
Apesar da alta eficácia, o desbridamento cirúrgico pode não conseguir remover todo o tecido necrótico. Por exemplo, na ocasião em que ele estiver aderido a alguma estrutura anatômica sensível, como tensões, músculos, fáscia ou ligamentos.
Nesses casos mais específicos, recomenda-se utilizar, após a cirurgia, outro tipo de desbridamento, para remover os tecidos inviáveis remanescentes.
Como Preparar o Paciente Para o Procedimento?
A partir da definição dessa estratégia de desbridamento, é necessário que se façam os seguintes procedimentos junto ao paciente:
- Orientar quanto aos riscos e benefícios do procedimento.
- Orientar e planejar a dieta do paciente no pré e pós cirúrgico.
- Preparar o local da cirurgia.
- Providenciar etiqueta de identificação e preparar o prontuário do paciente.
- Providenciar acesso venoso de grosso calibre.
- Encaminhar o paciente para o centro cirúrgico.
- Orientar familiares a respeito do procedimento.
Após o procedimento, realize nova avaliação da lesão do paciente a fim de determinar a necessidade de novos procedimentos ou encaminhamentos.
Concluindo
Os métodos de desbridamento podem ajudar muito no tratamento da ferida do paciente, quando bem realizados. Eles podem acelerar o fechamento da lesão, auxiliando na redução dos impactos sociais, econômicos e psicológicos que as feridas crônicas causam.
A avaliação clínica bem feita do paciente, por meio da Sistematização da Assistência de Enfermagem, pode ajudar a determinar qual o tipo de procedimento será realizado.
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Sobre o Autor
É enfermeiro, doutor em Enfermagem pela Universidade Federal de Mato Grosso. Também é Especialista em Saúde Pública e Apaixonado por Blogs, escreveu o seu primeiro na área de enfermagem ainda em 2014.